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O que o mercado financeiro e a ecologia de ecossistemas têm em comum?
Por: Rafaela Vendrametto Granzotti
Postado dia 21/07/2021
Bióloga e atualmente doutoranda em Ecologia e Evolução na Universidade Federal de Goiás (UFG), com mestrado em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais pela Universidade Estadual de Maringá (PEA/UEM). Desenvolve pesquisas nas áreas de ecologia de Metapopulações e de Metacomunidades, com ênfase em ambientes de água doce e em pesquisas ecológicas de longa duração.









“Nunca coloque todos os seus ovos na mesma cesta”. Esse ditado popular faz muito sentido para quem investe no mercado financeiro, graças às ideias do economista americano Harry M. Markowitz publicadas em 1952. Basicamente, a teoria de Markowitz, conhecida como a Teoria Moderna do Portfólio [1], estabelece que investir em uma variedade de ativos (ações de diferentes empresas, fundos de investimentos etc.) é melhor do que concentrar os investimentos em um único lugar. Assim, uma carteira (ou portfólio) diversificada (Figura 1) ajuda o investidor a diminuir o risco de perder dinheiro e a aumentar o retorno, ou o lucro dos investimentos. Isso acontece porque o risco do investimento fica diluído nas diversas aplicações; consequentemente, se um determinado investimento tem baixo desempenho, os outros investimentos podem “compensar” essa queda. Desse modo, o retorno médio da carteira fica mais constante e o investidor colhe resultados mais consistentes.
Imagem da Bocaina
Figura 1: A teoria do portfólio no mercado financeiro estipula que investir em vários ativos diferentes é melhor do que em um único ativo. Imagem: Google Imagens, Licença Creative Commons.


Para o investidor que aplica a teoria do portfólio, seu objetivo final é a estabilidade do retorno financeiro. Biólogos e ecólogos também estão interessados em estabilidade, nesse caso, na estabilidade dos ecossistemas. No contexto ecológico, essa estabilidade é importante para manter a constância dos serviços ecossistêmicos, que são bens ou serviços que os humanos obtêm, direta ou indiretamente, dos ecossistemas. Exemplos incluem a produção de alimentos (verduras, frutas, pescados etc.), de água, a polinização, a dispersão de sementes, a decomposição, entre muitos outros (Figura 2). Desse modo, a manutenção da estabilidade desses serviços é indispensável para a sobrevivência da espécie humana e entender o que gera essa estabilidade também se torna fundamental.
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Figura 2: Exemplos de serviços ecossistêmicos, que podem ser classificados em serviços de provisão, de regulação, de suporte e culturais. Imagem disponível em https://uc.socioambiental.org/pt-br/biodiversidade#o-que-biodiversidade.

Ainda na década de 50, Robert MacArthur e Charles Elton foram os primeiros ecólogos a hipotetizar que a estabilidade dos ecossistemas depende da biodiversidade [2,3], estimulando debates e pesquisas sobre o tema que perduram até hoje. Mas foi no fim da década de 90 que ecólogos como Doak, Tilman e colaboradores [4,5] observaram a semelhança entre esse efeito estabilizador da diversidade e a teoria do portfólio dos investimentos. Assim, do mesmo modo que uma carta de investimentos mais diversa teria maior estabilidade no retorno dos valores investidos, ecossistemas com maior biodiversidade (por exemplo, um maior número de espécies) teriam maior estabilidade ecológica do que aqueles com baixa diversidade. Por isso, essa tendência de aumento da estabilidade ecológica com o aumento da diversidade de espécies também ficou conhecida como efeito portfólio [6].

A natureza, porém, é complexa. Apesar de um grande acúmulo de evidências científicas do efeito portfólio atuando nos mais variados ecossistemas, desde florestas tropicais a recifes de corais, o quanto a riqueza de espécies afeta a estabilidade ainda permanece em debate. Isso acontece porque a intensidade desse efeito pode variar entre diferentes grupos de organismos e em diferentes ecossistemas. Por exemplo, um estudo [7] encontrou que a riqueza de espécies aumentou a estabilidade da produção primária em comunidades de gramíneas, mas não em comunidades de algas microscópicas (Figura 3). Com o avanço das pesquisas nesse tema, os ecólogos chegaram ao consenso de que não é só o número de espécies sozinho que estabiliza os ecossistemas. Para as funções ecossistêmicas se manterem mais ou menos constantes, é necessário também que as espécies presentes variem de maneira diferente ao longo do tempo: quando uma espécie declinar em número de indivíduos, outra espécie aumentará, compensando a diminuição da primeira. Esse fenômeno é chamado de dinâmica compensatória (Figura 4), e não é exclusivo dos sistemas ecológicos: ele também foi mencionado por Markowitz como um fator que afeta a estabilidade dos investimentos.

Qual a importância de tudo isso, afinal? Se você está pensando em investir no mercado financeiro, deve ter ficado claro que a melhor estratégia é distribuir seus ovos em várias cestas para evitar grandes perdas nos investimentos. De maneira similar, no caso dos ecossistemas, a melhor estratégia é ter várias espécies para também evitar grandes perdas de serviços ecossistêmicos. O problema é que a biodiversidade está desaparecendo dos ecossistemas, e de maneira alarmante [8,9]. Estima-se que ecossistemas terrestres já perderam, em média, 20% de suas espécies. Além disso, segundo relatórios da IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza), um milhão de espécies de plantas e animais estão em risco de extinção [10]. E pior, muitas dessas espécies estão sendo extintas poucos anos após serem descobertas ou antes mesmo de serem conhecidas pela ciência [11].

Assim, essa perda de biodiversidade afeta diretamente os serviços e produtos que os ecossistemas fornecem à população humana [8]. Por exemplo, a capacidade da natureza de regular o clima e manter a qualidade do ar e da água vêm diminuindo em uma escala global [10]. Além disso, a perda de animais polinizadores (como as abelhas, besouros, beija-flores etc., Figura 5) afeta mais de 75% dos tipos de plantações em todo o mundo. Isso põe em risco a quantia de 235 a 577 bilhões de dólares, que é o rendimento anual global estimado das culturas polinizadas por animais [12]. Portanto, não é só no mercado de investimentos que a falta de diversidade gera perda financeira, mas nos ecossistemas também. Assim, investir em conservação e restauração da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos representa também investir no bem-estar social, cultural e econômico da nossa sociedade [13].
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Figura 5: Polinização por abelhas. Imagem de Amritendu Mukhopadhyay, disponível pelo site Pixabay.

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Referências:

[1] Markowitz H. 1952. Portfolio selection. - J Financ 7: 77–91.
[2] MacArthur RH. 1955. Fluctuations of animal populations, and a measure of community stability. - Ecology 36: 533–36.
[3] Elton CS. 1958. The ecology of invasions by animals and plants. New York, NY: Chapman & Hall.
[4] Doak, D. F. et al. 1998. The statistical inevitability of stability-diversity in community ecology. - Am. Nat. 151: 264–276.
[5] Tilman, D. et al. 1998. Diversity-stability relationships: statistical inevitability or ecological consequence? - Am. Nat. 151: 277–282.
[6] Schindler, D. E. et al. 2015. The portfolio concept in ecology and evolution. - Front. Ecol. Environ. 13: 257–263.
[7] Gross, K. et al. 2014. Species richness and the temporal stability of biomass production: A new analysis of recent biodiversity experiments. - Am. Nat. 183: 1–12.
[8] Cardinale, B. J. et al. 2012. Biodiversity loss and its impact on humanity. - Nature 486: 59–67.
[9] Pimm, S. L. et al. 2014. The biodiversity of species and their rates of extinction, distribution, and protection. - Science 344, 1246752.
[10] Díaz, S. et al. 2019. Pervasive human-driven decline of life on Earth points to the need for transformative change. - Science 366: eaax3100.
[11] Lees, A. C. and Pimm, S. L. 2015. Species, extinct before we know them? - Curr. Biol. 25: 177-180.
[12] Potts, S. G. et al. 2016. Safeguarding pollinators and their values to human well-being. - Nature 540: 220–229.
[13] BPBES (2018): Sumário para tomadores de decisão do relatório de avaliação da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Joly, C. et al. Campinas, SP. 24 páginas.