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Autores do Blog Ciência em Ação

Por: Rafael Shinji Akiyama Kitamura
Postado dia 13/07/2022

Sou formado em Ciências Biológicas e Mestre em Ciência e Tecnologia Ambiental na área de concentração em Tecnologias e processos ambientais. Atualmente desenvolvo meu doutorado em Ecologia e Conservação, com ênfase em Ecotoxicologia e qualidade ambiental. Atuo em pesquisas dentro da área de toxicologia ambiental, bem como, busco investigar e aplicar Soluções Baseadas na Natureza (SBN) para a descontaminação ambiental.















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Após a descoberta da penicilina por Fleming em 1928, o mundo entrou na “Era de Ouro” dos antibióticos. Seu uso para o tratamento de doenças, sejam humanas ou de animais, foi um grande marco para a medicina. Esses produtos farmacêuticos permitem o combate de doenças bacterianas, salvando milhões de vidas a cada ano. Mas uma vez que um antibiótico é administrado a um humano ou animal, o que acontece? Cerca de 50 a 70% da dose administrada é excretada pelas fezes e urinas. Os sistemas convencionais de tratamento de água e esgoto não conseguem remover totalmente esses medicamentos. Além disso, em áreas rurais, os medicamentos presentes nos resíduos animais acabam sendo liberados e lixiviados para rios e lagos. Desta forma, os antibióticos têm sido encontrados em sistemas hídricos de todo o mundo e o seu uso indiscriminado, além do descarte incorreto em lixos, podem acarretar sua maior liberação no ambiente.

Entretanto, a concentração de antibióticos nos ambientes aquáticos é tão baixa quanto se dividíssemos um comprimido de 500 mg de um antibiótico entre 100.000 a 1.000.000 de vezes, e pegássemos uma dessas partes do comprimido e dissolvêssemos em 1L de água. Justamente por serem tão baixas, para detectarmos a presença de antibióticos em águas do meio ambiente, precisamos usar técnicas sofisticadas de quantificação química. Tais técnicas só foram recentemente desenvolvidas, e, portanto, pouco se sabe sobre a presença de antibióticos e não há legislação para concentrações permitidas em nossas águas. Porém, ao contrário do que se possa pensar, apesar de estarem em concentrações tão baixas, os antibióticos afetam os ecossistemas, podendo gerar problemas para a biodiversidade, bem como para a saúde pública.

Imagem da Bocaina - Blog Ciência em Ação

Figura 1: Representação esquemática do processo de contaminação gerado por antibióticos nos ambientes aquáticos
Fonte: Kitamura (2022)

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Concentrações ambientais (ou seja, aquelas observadas na natureza) de antibióticos se mostraram tóxicas a peixes, girinos, plantas e microalgas. Em estudos laboratoriais, os antibióticos causaram danos ao DNA desses seres vivos. Em plantas, os antimicrobianos afetaram a fotossíntese, reduzindo o crescimento dos vegetais. Em peixes, antibióticos podem gerar efeitos neurotóxicos, alterações sanguíneas (como anemia e reduções na imunidade), danos ao fígado e rins. Em sapos, antibióticos alteram o desenvolvimento dos girinos. Desta forma, é urgente que compreendamos os possíveis efeitos que concentrações ambientais de antibióticos podem causar frente à biodiversidade. Além disso, muitos desses antibióticos são acumulados em alimentos, como hortaliças, grãos e, até mesmo, na carne. Portanto a presença em ambientes naturais, nas águas usadas para irrigação ou nas de consumo humano acaba por direta ou indiretamente expor a população humana a concentrações mínimas de antibióticos. Mas será que para nós, que consumimos comprimidos com concentrações elevadas, a exposição a concentrações tão baixas de antibióticos tem algum efeito negativo como visto para outros animais?

Infelizmente a resposta é sim, mas não por uma questão de toxicidade dos antibióticos. A frequente ingestão de doses mínimas (ou subletais) de antibióticos acaba por induzir a aquisição de resistência em bactérias, muitas das quais, são patogênicas. Quando as bactérias entram em contato com baixas concentrações de antibióticos que não são suficientes para “matar” esses microrganismos, ocorrem diferentes mecanismos que culminam na aquisição de resistência. Essas bactérias criam habilidades para que o antibiótico não consiga mais ser efetivo e, essas informações de mecanismos de defesa, são transmitidas para as novas gerações e inclusive para outras espécies de bactérias. Desta forma, a contaminação dos ambientes está contribuindo para o aumento de microrganismos que criam estratégias para não serem afetados pelos antibióticos, gerando um grave problema de saúde pública. A partir do momento que esses microrganismos resistentes a antibióticos entram em contato com os seres humanos ou animais, o tratamento com medicamentos que antes eram eficazes, começam a não fazer mais efeito. Desta forma, muitos pacientes que são infectados por esses microrganismos resistentes apresentam quadros de infecções generalizadas e, a demanda por antibióticos mais “potentes” aumenta. Esse processo é considerado como um dos principais problemas de saúde pública mundial atualmente, tornando-se um dos principais responsáveis por mortes de humanos conforme a Organização Mundial da Saúde.

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Figura 2: Representação esquemática da resistência bacteriana a antibióticos
Fonte: Kitamura (2022)

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A ingestão dessas baixas concentrações, além da contaminação frequente dos nossos ecossistemas têm aumentado ainda mais os processos de geração de bactérias resistentes e do aumento da presença de genes de resistência no ambiente. Todos esses eventos, quando avaliadas dentro de um contexto geral, acarreta graves problemas, principalmente do ponto de vista de saúde única (animal, humana e ambiental). Desta forma, é urgente que compreendamos os possíveis efeitos que concentrações ambientais de antibióticos podem causar frente à biodiversidade, bem como, desenvolver alternativas que sejam viáveis para o tratamento das águas contaminadas. Dentre algumas medidas mais sustentáveis e que são soluções baseadas na natureza, está o uso de plantas para o tratamento de águas contaminadas. Além de ser uma técnica viável e eficiente, o uso de tecnologias verdes tem corroborado para a redução do uso de substâncias que podem causar efeitos adversos, quando utilizados em excesso, além de na maioria das vezes, apresentarem menores custos, quando comparados aos tratamentos físicos e químicos. Porém, isso é assunto para uma próxima postagem...

Que nós possamos refletir mais sobre como as ações humanas afetam a biodiversidade e os ecossistemas. Diante disso, compreender a toxicologia de contaminantes ambientais, como os antibióticos, é fundamental para que possamos dar novos direcionamentos políticos, ambientais e sociais, principalmente quanto às nossas legislações ambientais.

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Referências:

Gomes MP, Rocha DC, Brito JCM, Tavares DS, Marques RZ, Soffiati P, Santos BFS. 2020a. Emerging contaminants in water used for maize irrigation: Economic and food safety losses associated with ciprofloxacin and glyphosate. Ecotoxicol. Environ. Saf., v. 196, p. 110549, https://doi.org/10.1016/j.ecoenv.2020.110549
Kelly K R, Brooks BW. 2018. Global aquatic hazard assessment of ciprofloxacin: exceedances of antibiotic resistance development and ecotoxicological thresholds. Progress in molecular biology and translational science, 159, 59-77. https://doi.org/10.1016/bs.pmbts.2018.07.004
Kitamura, R.S.A., Vicentini, M., Perussolo, M.C., Roratto, J.L., Cirilo dos Santos, C.F., Moreira Brito, J.C., Cestari, M.M., Prodocimo, M.M., Gomes, M.P., Silva de Assis, H.C., 2022. Sublethal biochemical, histopathological and genotoxicological effects of short-term exposure to ciprofloxacin in catfish Rhamdia quelen. Environ. Pollut. 300, 118935. https://doi.org/10.1016/j.envpol.2022.118935
Rocha DC, Rocha CS, Tavares DS, Calado SLM., Gomes MP. 2021. Veterinary antibiotics and plant physiology: an overview. Sci Total Environ, v.767, p. 144902, https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.144902

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