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Autores do Blog Ciência em Ação

Por: Monica Piccinini
Postado dia 02/07/2022

Escritora freelance, interessada nas areas de ciência, saúde, meio ambiente e direitos humanos. Higher National Certificate e Higher National Diploma em desenho grafico pelo Brooklands College, Certificado de Jornalismo, University of Pennsylvania, Certificado de Quimica e Saude, The Johns Hopkins University e atualmente cursa “freelance and feature writing” pela London School of Journalism. Trabalhou na area de recursos humanos e contribuiu com artigos sobre o Brasil para o jornal britanico Byline Times. Contribui com artigos para a revista brasileira “A Escola Legal” e mantem um blog baseado em questões sobre o meio ambiente, saude e direitos humanos.















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De acordo com Carlos Nobre, renomado cientista climatologista brasileiro, a floresta amazônica, o local mais biodiverso do planeta, está à beira do precipício, mostrando sinais claros de destruição e perigosamente perto de um ponto de colapso irreversível, desencadeado pelo desmatamento, degradação, incêndios florestais, extração de madeira, pecuária e mineração ilegal e desenvolvimento de gás e petróleo.

“Se o desmatamento e a degradação da floresta amazônica não forem detidos completa e imediatamente, em cerca de 30 a 50 anos, 60 a 70% da Amazônia, principalmente nas regiões central, sul e leste, será atingida por um novo clima mais seco onde a estação seca durará entre cinco a seis meses. Se o desmatamento continuar nesse ritmo, a floresta tropical se tornará um ecossistema degradado com menos árvores, muito pouca biomassa e biodiversidade”, disse Carlos Nobre durante nossa entrevista deste mês.

Carlos Nobre passou as últimas quatro décadas dedicado à pesquisa estudando a floresta amazônica e seus impactos no sistema terrestre. Ele é o primeiro brasileiro a ser eleito membro da Royal Society desde o século XIX e fez inúmeras contribuições para a compreensão do aquecimento global e dos impactos das mudanças climáticas na Amazônia. Sua hipótese pioneira de “savanização” da Amazônia é uma referência mundial de extrema importância.

Nobre formou-se em engenharia eletrônica pelo Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), Brasil, em 1974 e obteve um doutorado em meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), EUA em 1983. É pesquisador sênior do Institute of Advanced Studies, Universidade de São Paulo (USP), e diretor da Amazon Third Way Initiative/Projeto Amazônia 4.0, Brasil. Ele também é coautor do Quarto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2007.

Arco do Desmatamento

A floresta amazônica no Brasil perdeu mais de 830.000 quilômetros quadrados, correspondendo a 21% da floresta e cerca de 15 a 17% já está degradada.

“Para deter o desmatamento, ações e medidas urgentes devem ser tomadas, principalmente na região que vai do sul do Peru, atravessando a Amazônia boliviana, estado do Acre, Rondônia, sul do Amazonas, norte do Mato Grosso e sul do Pará, até para a Mata Atlântica, uma grande área de floresta tropical onde a taxa de desmatamento é mais alta, o chamado arco do desmatamento”, acrescentou Nobre.

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil, INPE, no primeiro trimestre de 2022, uma área de 941 quilômetros quadrados foi desmatada, um aumento recorde de 64% em relação ao mesmo período do ano passado.

A floresta amazônica armazena entre 150 e 200 bilhões de toneladas de carbono na vegetação acima e abaixo do solo, em troncos de árvores, galhos, folhas, raízes e matéria orgânica acumulada no solo. Se em 15 a 20 anos ultrapassarmos o ponto sem retorno, a maioria das árvores começará a morrer e, como resultado, sua decomposição poderá liberar mais de 300 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera em 30 a 50 anos. Se isso acontecer, a meta do acordo de Paris de limitar o aquecimento global a não mais de 1,5°C não será cumprida, explicou Nobre.

Imagem da Bocaina - Blog Ciência em Ação

Figura 1.

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Projeto Amazônia 4.0 – A Solução

A Amazônia 4.0 é um instituto que tem vários objetivos:

• Desenvolver tecnologias e métodos avançados para transformar insumos amazônicos em produtos de altíssimo valor agregado;
• Desenvolvimento de uma bioindústria poderosa;
• Capacitação da população local;
• Criar alternativas urgentemente necessárias ao desmatamento unindo o conhecimento tradicional com a ciência e a indústria 4.0 em biofábricas móveis, os Laboratórios Criativos da Amazônia (LCAs);
• Criação da Escola de Negócios da Floresta Amazônica; e
• Desenvolvimento de estudos para a criação do Instituto Tecnológico da Amazônia

Nobre destacou a importância desse projeto ambicioso tanto para a Amazônia quanto para o mundo. O objetivo é trazer tecnologias modernas, mesclar o conhecimento dos povos tradicionais e indígenas, todas aquelas comunidades que gerenciam e desenvolvem sistemas agroflorestais, aliar esse conhecimento à inovação tecnológica e começar a desenvolver uma nova bioeconomia com agregação de valores e industrialização.

“O potencial econômico dos produtos florestais é muito superior ao das monoculturas de pastagem e agricultura. Um sistema agroflorestal produzindo vários produtos como açaí, cacau, castanha, cupuaçu (algumas cooperativas produzem mais de 100 produtos), a rentabilidade é muito maior”, explicou Nobre.

Segundo Nobre e vários estudos, um hectare de sistema florestal traz de US$ 500 a US$ 1.000 por ano de lucro para a economia. Um hectare de pasto (o mais produtivo) na Amazônia rende no máximo US$ 100 por ano. Um hectare de soja rende US$ 200 por ano. Isso mostra que um sistema agroflorestal é sustentável, extremamente lucrativo e tem um enorme potencial.

Nobre ilustrou o quão sustentável e lucrativa essa indústria pode ser:

“Vamos falar sobre o açaí. Esse produto traz mais de US$ 1 bilhão por ano para a economia da Amazônia, além de melhorar a vida de mais de 350 mil famílias da região, que são produtoras de sistemas agroflorestais. Isso demonstra o grande potencial dessa bioeconomia florestal”.

Um componente chave deste projeto é a criação de biolabs. Nobre mencionou que estão finalizando a construção de um laboratório, uma biofábrica da cadeia do cacau e do cupuaçu, e que em breve a levarão para a Amazônia. Eles vão capacitar quatro comunidades produtoras, industrializar essa linha de produção, permitir a produção de chocolate de alta qualidade, inclusive o “cupulate”, que é feito com sementes de cupuaçu.

A ambição deste projeto vai mais longe. Sua intenção é evoluir e criar uma “Rainforest Business School” focada nesta nova bioeconomia. Atualmente estão à procura de todos os recursos necessários, para que possam construir uma plataforma online com acesso a 20 cursos diferentes.

Outro elemento dessa iniciativa é a criação de um instituto de tecnologia (Instituto de Tecnologia da Amazônia-AmIT). Cinco áreas principais foram identificadas nas quais eles desenvolveriam laboratórios super avançados, incluindo uma parceria público/privada com o MIT, Massachusetts Institute of Technology, para que eles possam ajudar a projetar o AmIT, espelhando seu modelo.

A parceria com o MIT garantirá um espaço onde o setor privado terá a oportunidade de investir em pesquisa aplicada que geraria toda uma cadeia de novos produtos dos ecossistemas florestal, terrestre e aquático.

Nobre acrescentou: “O instituto AmIT treinaria jovens para o desenvolvimento dessa nova bioeconomia, pois se tornaria o centro mundial para a expansão de novas economias com o objetivo de proteger e manter as florestas tropicais em todo o planeta”.

Regeneração – O Cinturão do Reflorestamento

A pecuária é responsável por aproximadamente 90% do desmatamento na região. Quando a pecuária é abandonada, parte da pastagem é destinada ao cultivo da soja, a área restante, correspondente a cerca de 20% da área total desmatada, é abandonada completamente, resultando em uma floresta secundária crescendo em seu lugar.

“Nos locais onde o desmatamento está próximo à floresta, ocorre a regeneração natural, as sementes são trazidas rapidamente para a área por animais e pela dispersão do vento, e inicia-se o processo de restauração biológica”,

“Se você parar o desmatamento e se concentrar na agricultura em áreas muito pequenas com maior produtividade, grande parte da floresta poderá se regenerar naturalmente. Mas se a área degenerada for muito grande e distante da fonte de sementes, a floresta se regenera em um ritmo muito mais lento, exigindo, portanto, um processo de reflorestamento, plantar mudas, para que a floresta cresça e os animais voltem a habitar a região. O reflorestamento com mudas é caro e requer financiamento”, disse Nobre.

Nobre também destacou que os benefícios econômicos da restauração da floresta deverão aumentar em valor. Por exemplo, um hectare de floresta secundária crescendo na Amazônia remove de 11 a 18 toneladas de CO2 por ano da atmosfera por cerca de, digamos, 30 anos. Estima-se que o preço dessa remoção no mercado de carbono, hoje em torno de US$ 10/ton CO2, aumente até US$ 30-50/ton CO2.

Em questão de décadas, para cada hectare de restauração, você estará gerando uma renda muito maior do que qualquer renda da agricultura convencional. A restauração de florestas é muito mais lucrativa do que a pecuária e a agricultura de monocultura na floresta amazônica.

Imagem da Bocaina - Blog Ciência em Ação

Figura 2.

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Desafios e Desinvestimentos

Nobre destacou alguns dos desafios atuais da Amazônia, incluindo a necessidade urgente de combater o crime organizado na região. Existem inúmeras organizações nacionais e internacionais que financiam a mineração ilegal associada ao tráfico de drogas e armas ilegais. O crime organizado explodiu e tomou conta da floresta amazônica.

Não é raro ouvir falar do recrutamento de jovens que vivem em comunidades ribeirinhas para trabalhar nas atividades do tráfico de drogas, devido à falta de oportunidades de trabalho para esses indivíduos na Amazônia.

“Em 2012, o Brasil teve seus menores índices de desmatamento registrados na história, principalmente devido a políticas efetivas aliadas a sistemas de monitoramento por satélite que capturaram práticas ilegais. Ações efetivas de fiscalização são essenciais para prevenir práticas ilegais e acabar com o crime organizado na região”, disse Nobre.

O desinvestimento é outra questão preocupante, pois o governo federal do Brasil cortou consideravelmente o investimento em organizações científicas e educacionais, principalmente aquelas ligadas ao meio ambiente e à tecnologia. Houve uma grande queda nos investimentos no INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e universidades federais.

Nobre alegrou-se ao dizer que “mesmo diante de uma substancial queda orçamentária, o INPE continua realizando todo o monitoramento via satélite na Amazônia, além de distribuir todos os dados, pois são públicos e disponíveis no site do INPE. O INPE possui um dos melhores e mais avançados sistemas de monitoramento por satélite do mundo”.

“Na semana passada, o governo brasileiro criou um comitê para avaliar os dados de desmatamento no Brasil, coordenado pelo ministério do meio ambiente, ao lado dos ministérios da agricultura, defesa e economia, deixando de fora o INPE, o INPA e o ministério da ciência e tecnologia. À partir de agora, todos os dados de desmatamento terão que ser inicialmente aprovados por este comitê. Esta é uma iniciativa que espero não enfraquecer ainda mais a responsabilidade do governo de adiamento de agir contra o desmatamento ilegal e a degradação”, disse Nobre com uma nota de real preocupação.

Mensagem à Comunidade Internacional

Nobre tem uma mensagem muito forte e poderosa para consumidores e governos em todo o mundo:

“O consumo responsável é fundamental. A comunidade internacional deve continuar desempenhando um papel importante no consumo sustentável e não comprar nenhum produto proveniente de áreas desmatadas. Além disso, é fundamental que os países desenvolvidos passem a fazer uso e investir nessa nova bioeconomia de floresta em pé, garantir a origem dos produtos agroflorestais e evitar as práticas de monocultura”, disse.

“Pedimos aos governos internacionais que pressionem mais os países em desenvolvimento onde o desmatamento é alto, para que cumpram e entrem em uma nova trajetória de desmatamento zero”, acrescentou Nobre.

Nobre também manda um forte recado aos países desenvolvidos:

“Da mesma forma, os países tropicais também têm a obrigação de pedir e pressionar os países desenvolvidos para que parem urgentemente de queimar combustíveis fósseis, que representam 70% de todas as emissões de gases de efeito estufa. Devemos nos unir e salvar o planeta da emergência climática, zerando todas as emissões”.

Imagem da Bocaina - Blog Ciência em Ação

Figura 3.

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