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Autores do Blog Ciência em Ação

Por: Nayara Letícia Reis
Postado dia 11/02/2023

Sou bióloga, licenciada e bacharel pela Universidade Federal de São João del Rei -MG (UFSJ)/2016. Possuo mestrado em Ecologia Aplicada pela Universidade Federal de Lavras (UFLA)/2019. Tenho experiência na área de Ecologia de Comunidades com ênfase nos impactos do fogo sobre besouros escarabeíneos (Coleoptera: Scarabaeinae) de Cerrado. Atualmente sou pesquisadora (doutorado) na área de Ecologia Aplicada na UFLA/2022.















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O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro e ocupa cerca de 23,3% de todo o território nacional. Considerada a savana tropical mais diversa do mundo, o bioma possui uma elevada riqueza de flora e fauna e estima-se que existam mais de 12.600 espécies de plantas, sendo 80% delas consideradas endêmicas. O Cerrado é formado por um mosaico com diferentes fitofisionomias que variam desde áreas abertas, tais como campos sujos, campos limpos e campos rupestres, a formações florestais como o cerradão e as matas de galeria.

O Cerrado está localizado no planalto central do Brasil em zonas de clima quente e seco. A combinação de baixa umidade e alta temperatura da região e o grande acúmulo de biomassa vegetal seca, tornam o fogo um distúrbio frequente e quase que inevitável nesse ambiente.

No Cerrado, os incêndios podem iniciar-se de forma natural ou antrópica. Os incêndios naturais, ocorrem comumente na estação chuvosa e em meses de transição e são provocados em maioria por raios. Os incêndios antrópicos podem ocorrer de forma acidental ou intencional e são mais frequentes na estação seca.

Assim como na mitologia grega que retrata a história da “fênix”, a ave que ressurge das cinzas. No Cerrado o fogo também atua como um fator de continuidade da vida! Considerado um distúrbio essencial para a manutenção da biodiversidade, o fogo é o principal responsável por muitos dos processos ecossistêmicos do Cerrado.

O fogo pode ter influências negativas e/ou positivas sobre diferentes aspectos físicos, químicos e biológicos do Cerrado. Muitas das características morfológicas e fisiológicas observadas nas plantas desse ambiente (ex: presença de troncos tortuosos, espessa camada de súber, gemas e órgãos subterrâneos etc.) estão relacionadas a regimes de queima e conferem proteção contra o fogo. Além disso, a comunidade vegetal do Cerrado é extremamente dependente das queimadas e o fogo promove uma série de benefícios às plantas, atuando na quebra da dormência das sementes, facilitando o processo de brotamento e floração, permitindo a polinização cruzada e controlando a abundância e a ocorrência de diferentes espécies.

O fogo e a fauna do Cerrado
O fogo pode ter efeitos diretos ou indiretos sobre a fauna do Cerrado. Os efeitos diretos são aqueles que ocorrem quase que imediatamente e provocam a morte dos organismos por queimaduras ou por exposição ao calor e a fumaça. Esses efeitos podem durar de algumas horas, há dias, semanas ou até meses. Os efeitos indiretos são aqueles que ocorrem após a combustão da vegetação, durante a fase de recuperação pós-fogo e podem ser sentidos ao longo de vários anos. Tais efeitos são responsáveis por provocar mudanças na estrutura do habitat e na disponibilidade de recursos.

A combustão da vegetação é um dos processos que ocorre durante a passagem do fogo no Cerrado e é responsável por inúmeras mudanças na estrutura do habitat. Durante o processo, por exemplo, há a produção de subprodutos oriundos da queima da vegetação (nutrientes e/ou metais pesados) que podem ser volatilizados e perdidos para a atmosfera, ficar suspensos como micropartículas no ar ou serem depositados sobre os solos na forma de cinzas (Figura 1).

Imagem da Bocaina - Blog Ciência em Ação

Figura 1: Foto de um campo nativo de Cerrado recém queimado (dias após). Imagem mostra o solo coberto por espessa camada de cinzas. Fonte: Autora (2020)

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As cinzas são substâncias alcalinas, ricas em Magnésio (Mg), Cálcio (Ca), Potássio (K), Fósforo (P) e hidrocarbonetos. Nos solos, essas substâncias desencadeiam uma série de efeitos e dentre os quais, estão a alteração da porosidade e da penetrabilidade de água no solo, alterações do pH e aumento de nutrientes. Os efeitos do fogo e das cinzas sobre a fauna do Cerrado, sobretudo na macro biota do solo são pouco compreendidos. A macro biota do solo é um dos primeiros componentes a responder ao fogo no Cerrado e pode ser fortemente afetada pelo distúrbio.

Dentre os organismos associados aos solos do Cerrado, estão os besouros escarabeíneos (Coleoptera: Scarabaeinae). Esses besouros se destacam pela alta diversidade de espécies encontradas principalmente no bioma Cerrado e na Caatinga. Os besouros escarabeíneos são pertencentes à subfamília Scarabaeinae, são detritívoros e se alimentam de matéria orgânica em decomposição: fezes, carcaças e frutos apodrecidos. Mas existem algumas espécies de escarabeíneos que são predadoras de outros insetos e outras que são consideradas generalistas de detritos. Os escarabeíneos são popularmente conhecidos como “rola-bosta”, devido o comportamento que algumas espécies têm de confeccionar bolas de detritos e rolá-las a variadas distâncias da fonte de recurso (Figura 2).

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Figura 2: Foto de um casal de besouros escarabeíneos deslocando uma bola de estrume (fezes). Fonte: (Shutterstock)

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No Cerrado esses besouros desempenham funções consideradas essenciais para a regeneração da vegetação pós-fogo. Dentre as principais estão, a ciclagem de nutrientes, aeração e incorporação de matéria orgânica no solo e a dispersão secundária de sementes.

Apesar de serem resilientes ao fogo do Cerrado, a resposta dos escarabeíneos a esse tipo de distúrbio ainda precisa ser bem compreendida, sobretudo quanto a resposta biológica e comportamental das espécies. A compreensão dos efeitos pós-fogo, (ex: de compostos químicos – cinzas, fumaça) sobre a ecologia e o comportamento dos escarabeíneos é importante, uma vez que as informações obtidas podem ser úteis para a criação e proposição de estratégias de manejo do fogo no Cerrado e para a conservação da biodiversidade desse ambiente.

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