As denúncias feitas a partir da publicação de Silent Spring geraram diversos debates políticos que culminaram na assinatura da Carta de Belgrado, elaborada em 1975 ao final de um encontro promovido pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) (MMA, 2020a). Foi a Carta de Belgrado que estabeleceu as diretrizes para a formulação do Programa Internacional de Educação Ambiental, com princípios e orientações para os países signatários, entre eles o Brasil. Posteriormente, em 1977, a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, em Tbilisi (Geórgia), estabeleceu definições, objetivos, princípios e estratégias para a Educação Ambiental, que são adotados em todo o mundo até hoje (Kassas, 2002). Desse momento em diante, a conservação da biodiversidade e Educação Ambiental passaram a caminhar juntas.
A realização de ações educativas, formais e informais, formação de professores e alunos e sensibilização da comunidade escolar são algumas dentre as várias propostas de sensibilização ambiental envolvendo a biodiversidade. Van Weelie & Wals (2002) discutem que é preciso tornar a biodiversidade significativa para os alunos, descrevendo como degraus necessários o aprendizado sobre os diferentes significados, interpretações e usos da biodiversidade, a capacidade de observação e monitoramento da biodiversidade, a criticidade quanto ao seu uso conceitual nos discursos políticos e ambientais e, talvez, o estabelecimento de valores de biodiversidade. Para encontrar meios de valorizar a biodiversidade, muitas conferências nacionais e internacionais aconteceram ao longo das últimas décadas com o intuito de inserir o debate sobre a biodiversidade no sistema educativo e na sociedade de modo mais amplo (Loureiro, 2007).
Um dos marcos mais importantes para conservação da biodiversidade, foi o estabelecimento da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992 no Rio de Janeiro (Rio 92) e assinada por mais de 160 países (MMA, 2020b). Os objetivos principais da CDB foram: a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável dos componentes da diversidade biológica e a repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos (objetivo reforçado pelo Protocolo de Nagoya, que entrou em vigor em 2014) (ver https://www.cbd.int). Em 1997, os temas discutidos na Rio 92 foram reforçados durante a Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade: Educação e Consciência Pública para a Sustentabilidade, realizada em Tessaloniki, Grécia. Nessa conferência, foi debatido que as ações necessárias de Educação Ambiental devem ser interdisciplinares e baseadas nos conceitos de ética e sustentabilidade; identidade cultural e diversidade; e mobilização e participação (MMA, 2020c).
A Educação Ambiental também está inserida nos debates sobre mudanças climáticas (Lima & Layrargues, 2014). Atualmente é um tema que começa a ser pautado no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), um órgão da Organização das Nações Unidas (ONU). Criado em 1988, o IPCC fornece aos formuladores de políticas avaliações científicas regulares sobre as mudanças climáticas, seus impactos e riscos futuros, além de opções para adaptação e mitigação de seus efeitos. As ações desse órgão são uma tentativa de estreitar o laço entre Ciência e formuladores de políticas. Desde 1988, o IPCC produziu cinco relatórios de avaliação abrangentes e vários relatórios especiais sobre tópicos específicos, estando agora em seu Sexto ciclo de Relatório de Avaliação (IPCC, 2020). Considerando as avaliações do IPCC, em 2015, durante a 21ª Conferência das Partes (COP21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), em Paris, foi aprovado pelo Brasil e mais 194 países um novo acordo para reduzir emissões de gases de efeito estufa no contexto do desenvolvimento sustentável. O objetivo do Acordo de Paris é manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, reunindo esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais (MMA, 2020d). Entretanto, o cenário atual, mesmo considerando a redução das atividades provocada pela pandemia da Covid-19, traz um grande desafio às metas do Acordo de Paris (ver https://news.un.org/pt/story/2020/07/1719561).
Os ecossistemas que dão suporte à vida na Terra estão sendo destruídos rapidamente - nos últimos 25 anos, cerca de um quarto de todas as florestas tropicais foram perdidas - tornando nosso futuro incerto (Raven & Miller, 2020). Ao levantar as questões "A perda de biodiversidade é uma coisa ruim?" e "Para quem a perda de biodiversidade é ruim?", as questões de distribuição equitativa e uso sustentável - componentes centrais da educação ambiental contemporânea e da Convenção sobre Diversidade Biológica - precisarão ser abordadas (Van Weelie & Wals, 2002; Viglio; Silvino; Ferreira, 2020). "A Carta da Terra", uma declaração de princípios éticos fundamentais para a construção, no século XXI, de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica, lançada em 2000 já abordava essas questões (https://earthcharter.org). Essa temática é novamente um dos pontos centrais da Agenda 2030, que traz os "17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável" (17 ODS). Esses objetivos refletem de forma integrada e equilibrada, as três dimensões do desenvolvimento sustentável: social, econômica e ambiental, estando entre eles a Educação (Objetivo 4 - Educação de Qualidade) e a conservação da biodiversidade (Objetivo 13 - Ação Contra a Mudança Global do Clima, Objetivo 14 - Vida na água e Objetivo 15 - Vida terrestre) (ver http://www.agenda2030.org.br/os_ods/).
A necessidade de mudança é urgente. Dirigindo-se aos formuladores de políticas, Greta Thunberg pede: "So please, treat the climate crisis like the acute crisis it is and give us a future. Our lives are in your hands." ("Então, por favor, tratem a crise climática como a crise aguda que é e nos dê um futuro. Nossas vidas estão em suas mãos.", em tradução livre) (Thunberg, 2019). Em seu documentário (David Attenborough e nosso planeta, Netflix, 2020), David Attenborough expõe que é necessário elevar o padrão de vida ao redor do mundo (por exemplo, através da diminuição da pobreza, acesso à saúde e maior permanência de meninas na escola), sem aumentar nosso impacto sobre ele. No documentário, são mostradas sugestões para um futuro alternativo (e.g. uso de matrizes energéticas não associadas a combustíveis fósseis, manutenção da saúde dos oceanos com a criação de zonas proibidas para pesca, redução de áreas cultiváveis na terra com a mudança de nossos hábitos alimentares e uso de tecnologias, manutenção das florestas por meio de incentivos governamentais). Ações em nível local, envolvendo amigos, familiares, vizinhos, comunidade escolar, local de trabalho, e ações envolvendo a arte também são propostas por David Attenborough (visite o site https://attenboroughfilm.com para mais detalhes).
No um terço final do documentário David Attenborough - A Life on Our Planet, é discutida a necessidade de nossa espécie estabelecer uma vida em equilíbrio com a natureza, sendo uma vida sustentável nossa única opção para prosperarmos - "Se cuidarmos da natureza, a natureza cuidará de nós." Um dos principais caminhos para o reconhecimento dessa simbiose é a Educação. Quando Greta Thunberg afirma que as mudanças climáticas não são tratadas como uma crise, porque grande parte das pessoas desconhece seus efeitos (Thunberg, 2019), ela torna evidente a necessidade de conhecimento, que influencia nosso modo de enxergar e agir no mundo.
Portanto, a Educação Ambiental é fundamental para a conservação da biodiversidade. Foi a importância da Educação que fez com que Malala Yousafzai a abraçasse como sua maior causa. Ela, uma paquistanesa, teve a vida ameaçada por defender o direito à Educação, especialmente de meninas. Por seus esforços para tornar a Educação acessível a todos, Malala recebeu o Nobel da Paz em 2017. "Quero aprender a usar a arma do conhecimento. Aí serei capaz de lutar mais efetivamente por minha causa." (Yousafzai, 2013). Conservação da biodiversidade e Educação Ambiental devem caminhar cada vez mais juntas.
Referências
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