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Autores do Blog Ciência em Ação

Por: José Eustáquio Diniz Alves
Postado dia 24/08/2023

Sociólogo, mestre em economia e doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com pós-doutorado no Núcleo de Estudos de População, NEPO/UNICAMP. Professor titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2002-2019), onde foi coordenador da Pós-graduação de 2005 a 2009. Pesquisador independente desde abril de 2019. 















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O crescimento global da população e da economia gerou um volume tão grande de produção de bens e serviços que superou a capacidade da Terra em fornecer os serviços ecossistêmicos capazes de atender, de forma sustentável, a demanda antrópica por recursos naturais, assim como gerou uma enorme quantidade de resíduos líquidos e sólidos que poluem os solos, as águas e o ar.

A evolução da expansão humana no Planeta ultrapassou diversos limites planetários e provocou uma desestabilização energética do Sistema Terra, revertendo as condições favoráveis para os avanços civilizacionais. A perda de biodiversidade e o fim da estabilidade climática se transformaram em desafios que colocam em xeque a existência da própria humanidade no terceiro milênio.

A grande aceleração: duzentos e cinquenta anos de crescimento exponencial
O Homo sapiens surgiu há cerca de 200 mil anos e, por milênios, conviveu com altas taxas de mortalidade que ameaçavam a sobrevivência da espécie. Em consequência, a população humana só chegou ao redor de 200 milhões de habitantes no ano 1 da Era Cristã. Por volta de 1800, chegou a 1 bilhão de habitantes, com uma renda per capita praticamente estagnada durante milênios. No início do século XIX, a população mundial tinha uma mortalidade na infância de aproximadamente 400 mortes para cada mil nascimentos e uma expectativa de vida ao nascer de cerca de 25 anos. Mais de 80% da população global estava abaixo da linha da extrema pobreza.

Este quadro desfavorável começou a mudar com o avanço da Revolução Industrial e Energética que teve início no final do século XVIII e que propiciou o aumento exponencial da produção de bens e serviços a partir da utilização generalizada de energia extrassomática. O ano de 1769 é considerado um marco, pois foi quando James Watt (1736-1819) patenteou a máquina a vapor, dando início à queima, em larga escala, dos combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás).

Especialmente no século XX, houve uma forte sinergia entre economia e demografia. Os estudiosos de população já haviam mostrado que a redução das taxas de mortalidade e natalidade eram um pré-requisito para o desenvolvimento econômico. Dois livros lançados recentemente mostram que a transição demográfica foi fundamental para a elevação da renda per capita e o progresso humano. Os autores Galor (2017) e De Long (2022) indicam que não existia aumento permanente e significativo da renda per capita antes da Revolução Industrial. Eles argumentam que durante a maior parte da existência do Homo sapiens as sociedades viveram no que se define como estagnação malthusiana.
Mas o quadro mudou com o avanço do desenvolvimento econômico e com a transição demográfica. Considerando os últimos 250 anos, a economia global cresceu 156 vezes, a população mundial cresceu 9,1 vezes e a renda per capita cresceu 17 vezes, como mostra o gráfico abaixo com dados do Projeto Maddison e do FMI. Em 1772, a população mundial era pouco menos de 900 milhões de pessoas e passou para 8 bilhões de habitantes em 2022. A renda per capita global, em preços constantes em poder de paridade de compra, estava abaixo de US$ 900 e passou para cerca de US$ 15 mil, no mesmo período. Este crescimento da população e do poder de compra ocorrido em dois séculos e meio foi muito maior do que o de todo o período dos 200 mil anos anteriores.

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Todo país rico e com alta qualidade de vida da população (alto Índice de Desenvolvimento Humano - IDH) passou pela transição demográfica, pois não há país desenvolvido com altas taxas de mortalidade e natalidade. Desta forma, a despeito das desigualdades, pode-se dizer que os ganhos sociais foram espetaculares. A mortalidade na infância caiu 10 vezes em 250 anos, estando atualmente abaixo de 40 mortes para cada 1 mil nascimentos.

A expectativa de vida média global triplicou em 250 anos, passando de 25 anos para 75 anos. Países ricos possuem expectativa de vida acima de 80 anos, mas mesmo em países muito pobres como Níger, Moçambique e Afeganistão o tempo médio de vida está acima de 60 anos atualmente. Os ganhos na educação, nas condições de moradia, no nível de consumo e no acesso à informação foram significativos e superaram as estimativas iniciais da modernização.
Porém, todo o enriquecimento humano ocorreu às custas do empobrecimento do meio ambiente. O conjunto das atividades antrópicas ultrapassou a capacidade de carga da Terra e o meio ambiente retrocedeu, com a degradação e poluição dos ecossistemas, a perda de biodiversidade e o desequilíbrio climático.

O gráfico abaixo, do Instituto Global Footprint Network, apresenta os valores da pegada ecológica global e da biocapacidade global de 1961 a 2019, com uma estimativa até 2022. Em 1961, a população humana era de aproximadamente 3 bilhões de habitantes, com uma biocapacidade de 9,75 bilhões de gha e uma pegada ecológica de 7,22 bilhões de gha. Portanto, havia um superávit ambiental no mundo, superávit este que se manteve na década de 1960 e está representado pela área verde do gráfico.

Mas, com o crescimento da população e o maior volume da produção de bens e serviços, a pegada ecológica global ultrapassou a biocapacidade global a partir do início da década de 1970, gerando um déficit ecológico que se ampliou ao longo dos anos (representado pela área vermelha do gráfico). Para 2022, com uma população mundial de cerca de 8 bilhões de habitantes, a pegada ecológica está estimada em 20,6 bilhões de gha e a biocapacidade global em 12 bilhões de gha. Portanto, o déficit ecológico absoluto é de 8,6 bilhões de gha e o déficit relativo é de 71%.
Os números de 2019 são semelhantes àqueles de 2022, sendo que em 2020 e 2021 houve uma redução da pegada ecológica global em função do impacto da pandemia da covid-19 que provocou uma recessão econômica internacional. Mas, com a retomada das atividades econômicas, a pegada ecológica voltou a aumentar e, consequentemente, cresceu o déficit ambiental. Ou seja, em 2022, a humanidade estava consumindo 71% a mais do que o planeta podia fornecer de forma sustentável.

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Artigo de Steffen et. al (2015), que atualizou a metodologia e os dados das fronteiras planetárias, mostrou que quatro das nove fronteiras já foram ultrapassadas: Mudanças climáticas; Perda da biodiversidade; Mudança no uso da terra e Fluxos biogeoquímicos (fósforo e nitrogênio). Duas delas, a Mudança climática e a Perda de biodiversidade, são o que os autores chamam de "limites fundamentais" e tem o potencial para conduzir o Sistema Terra a um novo estado que pode levar a civilização ao colapso. Vejamos as duas grandes ameaças que pairam sobre a civilização e a vida na Terra.

a) Crise climática e aquecimento global
O florescimento da civilização humana ocorreu nos últimos 12 mil anos e só foi possível devido à estabilidade climática prevalecente no Holoceno. Em 12 milênios, a variação climática ficou restrita à 0,5º Celsius, para cima ou para baixo, em relação à média do século XX. Sem eventos extremos significativos, a agropecuária floresceu e as cidades se multiplicaram e prosperaram. Mas o sucesso humano não foi neutro em relação ao meio ambiente.
Os gráficos abaixo mostram a relação entre o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do mundo e o aumento da temperatura global. A rápida elevação do PIB global, especialmente, nos últimos 70 anos está muito associada com o aumento da temperatura global. No ano de 2020 houve uma recessão da economia internacional, mas os dados para 2022 mostraram uma recuperação do PIB para os níveis pré-pandemia. A Guerra da Rússia contra a Ucrânia desacelerou o ritmo do crescimento do PIB global, mas a relação entre incremento da economia, a elevação das emissões de CO2 e aumento da temperatura já retomou as tendências históricas.

O painel da direita mostra que a reta de tendência linear entre as duas variáveis, indicando que 86% da variabilidade temperatura global está associada diretamente ao crescimento do PIB mundial, ao longo dos anos de 1880 e 2022. Portanto, o crescimento demoeconômico tem provocado o aquecimento da temperatura da Terra. Este aquecimento se manifesta em ondas letais de calor e fogo que são como um novo tipo de pandemia que pode se disseminar no século XXI.

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Indubitavelmente, o aumento das emissões antropogênicas de CO2 aumenta o efeito estufa e coloca o aquecimento global em terreno desconhecido. Na última era glacial a concentração de CO2 na atmosfera estava abaixo de 200 partes por milhão (ppm). Nos últimos 800 mil anos, a concentração de CO2 ficou sistematicamente abaixo de 280 ppm, segundo dados da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA). Em 1950 chegou a 300 ppm e, na época da primeira grande conferência sobre o meio ambiente, a Conferência de Estocolmo, em 1972, a concentração de CO2 na atmosfera já havia passado para 327 ppm. Em 1987 a concentração chegou a 350 ppm. Este é o nível máximo recomendado pela ciência para evitar um possível aquecimento global catastrófico.

Porém, a máquina econômica de emissão não sofreu interrupção. Em 2015, quando houve o Acordo de Paris, a concentração de CO2 já havia ultrapassado 400 ppm e, a despeito de todas as metas de redução, a concentração de CO2 chegou a 424 ppm em maio de 2023. O dramático é que o efeito estufa não está diminuindo, mas está se agravando. O aumento da concentração de CO2 na atmosfera contribuiu para o fato de os últimos 9 anos (2014 a 2022) terem sido os mais quentes já registrados no Holoceno. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgou um relatório, em maio de 2023, confirmando que há uma probabilidade de 66% de a média anual de aquecimento ultrapassar o limite de 1,5°C entre 2023 e 2027.

Mas ninguém esperava que o mês de julho de 2023 fosse o mês mais quente dos últimos 120 mil anos. O gráfico abaixo, da NOAA/NASA, mostra que a temperatura da Terra tem aumentado sistematicamente mês após mês e ano após ano, sendo que o mês de julho de 2023 bateu todos os recordes e, pela primeira vez, ultrapassou o limiar de 17º Celsius e teve uma variação acima de 1,5º C em relação ao períodos pré-industrial (1850-1900).

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Segundo o Instituto Berkeley Earth, a temperatura média global em julho de 2023 foi de 1,54 ± 0.09º Celsius acima da média do período de referência de 1850 a 1900, que é frequentemente usada como referência para o período pré-industrial. Esta é a 11ª vez na análise do Berkeley Earth que um mês individual excede 1,5º C em relação à referência pré-industrial. Todas as outras ocorrências aconteceram de dezembro a abril, ou seja, durante os meses tradicionalmente mais variáveis do inverno e da primavera no Hemisfério Norte. Esta é a primeira vez que uma anomalia de 1,5º C ocorre durante o verão do Hemisfério Norte. Tal excesso de temperatura ocorrido durante os já quentes meses de verão tem mais probabilidade de levar a temperaturas extremas e recordes históricos do que se tivesse ocorrido em outras épocas do ano. Portanto, é grande a chance de 2023 ser o ano mais quente da era observacional.

O aumento da temperatura diminui a área e o volume do gelo dos polos, acidifica as águas dos oceanos prejudicando a vida marinha, intensifica os furacões e ciclones, aumenta as inundações e secas, afeta a produção de alimentos e gera trilhões de dólares de prejuízo à economia global.

Desta forma, a comunidade científica está perplexa não só com o aquecimento global, mas também com a baixa cobertura de gelo marinho na Antártida que está muito abaixo do normal, desde o começo das observações por satélites em 1979. A última vez que a temperatura ultrapassou os 1,5º C, no Planeta, foi no período Eemiano (há cerca de 120 mil anos) e provocou o aumento do nível dos oceanos em algo entre 5 e 9 metros. Tudo indica que a temperatura no século XXI vai ultrapassar os 2º C em relação ao período pré-industrial. Os prejuízos poderão ser incalculáveis tanto nas áreas urbanas, quanto rurais. A fome pode voltar a assustar grande parte da população mundial.

Um evento que assustou a comunidade internacional em agosto de 2023 foram os incêndios e as tempestades de fogo que tomaram conta da ilha havaiana de Maui. Foram os incêndios florestais mais mortais e destrutivos dos Estados Unidos em um século, mais de 100 mortes foram confirmadas com um número incerto de pessoas feridas. Grande parte da cidade histórica, que foi capital do reino havaiano, acabou destruída pelo fogo e muitas pessoas tiveram de pular no mar para escapar do fogo e foram resgatadas pela guarda costeira. A perda de vidas e de dois séculos de construções históricas abalaram os residentes de Maui, que não esperavam o cenário apocalíptico das chamas consumindo um núcleo urbano, rico e próspero.

b) Perda de biodiversidade e 6ª extinção em massa das espécies
Existe uma grande desigualdade entre as espécies da Terra, pois enquanto cresceu a população humana, definharam as populações não humanas. Segundo Ron Patterson (2014): “Há 10.000 anos os seres humanos e seus animais representavam menos de um décimo de um por cento da biomassa dos vertebrados da terra. Agora, eles são 97 por cento”. A jornalista Elizabeth Kolbert, no livro The Sixth Extinction, documenta o processo de extinção das espécies que ocorre com o avanço da civilização (ALVES, 2022).

Se o crescimento econômico dos últimos 250 anos está causando uma grande crise climática, provoca também uma crise ambiental e uma grande redução da biodiversidade. O Relatório Planeta Vivo 2022, do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), revela uma queda média de 69% nas populações de animais selvagens em 4 décadas.
O avanço do processo de crescimento contínuo da produção e consumo de bens e serviços ao bel-prazer da humanidade tem provocado uma degradação generalizada dos ecossistemas globais e gerado um ecocídio da vida selvagem que sempre existiu no planeta muito antes dos seres humanos. A superexploração da Terra está transformando o Antropoceno em Piroceno, com a emergência climática se manifestando nas multiplicações de queimadas e fogos que destroem o meio ambiente e matam a fauna nativa.

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Um relatório preparado pela Plataforma Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), apresentado para mais de 130 delegações governamentais, mostrou que as atividades humanas ameaçam mais espécies atualmente do que nunca. Uma em cada quatro espécies está em risco de extinção. A conclusão foi baseada no fato de que em torno de 25% das espécies de plantas e de animais estão vulneráveis. Isso significa que em torno de 1 milhão de espécies já enfrentam risco de extinção, muitas delas em décadas, a não ser que ações sejam tomadas para reduzir a intensidade de impulsionadores de perdas à biodiversidade. O relatório também examinou cinco fatores impulsionadores de mudanças “sem precedentes” na biodiversidade e em ecossistemas ao longo dos últimos 50 anos. São eles: mudanças no uso da terra e do mar; exploração direta de organismos; mudança climática, poluição e propagação de espécies invasoras.

Ou seja, enquanto crescem a população e a economia, a humanidade está promovendo um ecocídio em larga escala que pode colocar em xeque a própria existência humana. A economia tradicional tende a ver a natureza apenas como um bem econômico a serviço do bem-estar da humanidade e como uma mercadoria que faz circular a economia pagando salários, lucros e juros. A tão decantada racionalidade do Homo economicus virou um problema de insensibilidade natural e uma prática especistas, com sérios danos à biodiversidade.

Para entender a crise da biodiversidade vale a pena ver a Aula 2, do curso AM088, do IFGW da Unicamp, do professor Mathias Pires, ocorrida no primeiro semestre de 2021. No mesmo curso tive a oportunidade de dar a aula “Decrescimento demoeconômico e capacidade de carga do Planeta” (Alves, 11/04/2021). Ambas estão disponíveis nos links abaixo.

O artigo de Timothy e colegas “Quantifying the human cost of global warming”, publicado na revista Nature Sustainability (22/05/2023), avaliou o impacto climático sobre os seres humanos se o mundo continuar na trajetória projetada e aquecer 2,7 graus Celsius até o final do século, em comparação com as temperaturas pré-industriais. Se o ritmo atual do aquecimento global não for controlado, isso empurrará bilhões de pessoas para fora do “nicho climático” (as temperaturas em que os humanos podem florescer) e os exporá a condições perigosamente quentes. Considerando o aquecimento global esperado e o crescimento populacional, o estudo indicou que até 2030 cerca de dois bilhões de pessoas estarão fora do nicho climático, enfrentando temperaturas médias de 29º Celsius ou mais, com um aumento para cerca de 3,7 bilhões vivendo fora do nicho até 2090.

Portanto, existe uma necessidade de aprofundar as metas de mitigação do Acordo de Paris e acelerar a diminuição do uso de combustíveis fósseis. A época da grande aceleração do crescimento demoeconômico já ficou para trás e o desafio atual é evitar o aprofundamento da crise climática e a grande extinção da biodiversidade, que representa uma ameaça existencial à continuidade da civilização humana. A expansão antrópica está se transformando em extinção da vida na Terra. O atual quinquênio é decisivo, pois nos próximos 5 anos o mundo vai estourar o “orçamento de carbono” e as consequências serão graves para todas as formas de vida da Terra.

A guerra contra a natureza é uma guerra contra os próprios guerreiros. Quase metade da população mundial estará em situação de alto risco até o final do século XXI. Portanto, as gerações jovens de hoje vão pagar um alto preço no futuro devido à inação e à incapacidade coletiva de mudar o padrão de produção e consumo e interromper o continuado crescimento demoeconômico desregrado.

Se os seres humanos destruírem a ECOlogia, destruirão também a ECOnomia. É impossível para a civilização humana continuar prosperando com a natureza definhando. O aumento da emissões de gases de efeito estufa leva ao aquecimento global que torna amplas áreas da Terra inóspitas e inabitáveis.

A crise climática e a destruição da biodiversidade são os dois principais vetores que representam uma ameaça existencial ao futuro da humanidade. Os recordes de temperatura de junho, julho e agosto de 2023 são apenas um aviso para cenários muito piores que virão no futuro se não houve um processo de decrescimento demoeconômico e de redução da Pegada Ecológica ao longo do século XXI.

Entropia e decrescimento demoeconômico
O Antropoceno só existe em decorrência do crescimento desregrado e exagerado das atividades antrópicas. Existe uma verdade simples e inquestionável que reconhece ser impossível haver crescimento ilimitado em um Planeta finito. Indubitavelmente, existem limites biofísicos ao crescimento econômico como escreveu, em 1971, Nicholas Georgescu-Roegen no livro The Entropy Law andthe Economic Process, onde mostra, com base na Primeira Lei da Termodinâmica, que o metabolismo do processo produtivo é entrópico e não cria nem consome matéria e energia, apenas transforma recursos de baixa entropia em calor e resíduos de alta entropia (GEORGESCU-ROEGEN, 1971).
Outro alerta veio há 50 anos, em 1972, quando uma equipe de cientistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT), publicou o livro “Limites do crescimento, um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o Dilema da Humanidade”. Os autores identificaram cinco vetores que poderiam provocar um colapso social e ambiental: o ritmo acelerado de industrialização, o rápido crescimento demográfico, a desnutrição generalizada, o esgotamento dos recursos naturais não-renováveis e a deterioração ambiental. Estas tendências se inter-relacionam de muitos modos e o livro indica as consequências que poderiam acontecer num horizonte de cem anos. Os autores do livro “Limites do crescimento” (MEADOWS et al, 1978) sintetizam suas conclusões em um único parágrafo:

“Se as atuais tendências de crescimento da população mundial, industrialização, poluição, produção de alimentos e diminuição de recursos naturais continuarem imutáveis, os limites de crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável, tanto da população quanto da capacidade industrial” (p. 20).

Entretanto, o alerta sobre os limites do crescimento foram ignorados ou negados. Existem, inclusive, pessoas que negam a própria existência da crise climática e ambiental e são chamados de “céticos climáticos”. No dia a dia, o tabu religioso e as posturas ideológicas pronatalistas impossibilitam uma análise demográfica mais completa e dificultam o enfrentamento dos grandes problemas ambientais do mundo.

O modo de produção capitalista não consegue existir sem promover o crescimento continuado da produção de bens e serviços e o incremento do número de trabalhadores e de consumidores. Este crescimento ilimitado foi e continua sendo essencial para a acumulação de capital e a maximização do lucro.

Para garantir sua ininterrupta reprodução, o capitalismo precisa contar com fontes infindáveis de energia e com o interminável extrativismo dos recursos naturais e dos serviços ecossistêmicos. Mas, este processo de acumulação de riqueza voltado para beneficiar uma pequena camada da sociedade em detrimento da grande maioria da população e às custas do empobrecimento da natureza está gerando uma catástrofe ecológica e climática, pois a economia internacional já ultrapassou os limites da resiliência do Planeta.

Portanto, para evitar um colapso ambiental decorrente do superconsumo e de uma população global em constante crescimento, a solução holística vai além da estabilização populacional e passa pelo decrescimento demoeconômico. Neste momento em que a humanidade já ultrapassou a capacidade de carga da Terra, somente o planejamento democrático e voluntário da redução do consumo global e da população global pode evitar um “Apocalipse climático”, um “Armageddon ecológico” e um “Holocausto biológico”, possibilitando se chegar a uma situação de harmonia entre o bem-estar humano e o bem-estar ambiental.

Referências:ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022
https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595
ALVES, JED. Aula 11 AM088: Decrescimento demoeconômico e capacidade de carga do Planeta, IFGW, 11/04/21 https://www.youtube.com/watch?v=QVWun2bJry0&list=PL_1__0Jp-8rhsqxcfNUI8oTRO1wBr86fh&index=9
BERKELEY EARTH. July 2023 Temperature Update, 14/08/2023
https://berkeleyearth.org/july-2023-temperature-update/
DE LONG. J. BRADFORD. Rumo à Utopia. Uma História Econômica do Século XX, Livros básicos, 2022
GALOR, Oded. "A Jornada da Humanidade: Uma História Econômica do Mundo." Editora 34, 2017.
GEORGESCU-ROEGEN, N. The Entropy Law and the Economic Process. Harvard University Press, 1971.
MADDISON, A. Maddison Project Database 2020, Groningen Growth and Development Centre, 2020.
MEADOWS, D. et. al. Limites do Crescimento. Um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o Dilema da Humanidade, Editora Perspectiva, 2ª ed., São Paulo, 1978.
PIRES, Mathias. Aula 2 AM088 – Vivemos uma crise da Biodiversidade? IFGW,12/07/2021
https://www.youtube.com/watch?v=AOwYMeX6w08&list=PL_1__0Jp-8rhsqxcfNUI8oTRO1wBr86fh&index=2
STEFFEN, W. et al. Planetary boundaries: Guiding human development on a changing planet, V. 347, I. 6223, Science, 13/02/2015 https://science.sciencemag.org/content/347/6223/1259855
Timothy Lenton et al. Quantifying the human cost of global warming, Nature Sustainability, 22 May 2023 https://www.nature.com/articles/s41893-023-01132-6

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