Um relatório preparado pela Plataforma Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), apresentado para mais de 130 delegações governamentais, mostrou que as atividades humanas ameaçam mais espécies atualmente do que nunca. Uma em cada quatro espécies está em risco de extinção. A conclusão foi baseada no fato de que em torno de 25% das espécies de plantas e de animais estão vulneráveis. Isso significa que em torno de 1 milhão de espécies já enfrentam risco de extinção, muitas delas em décadas, a não ser que ações sejam tomadas para reduzir a intensidade de impulsionadores de perdas à biodiversidade. O relatório também examinou cinco fatores impulsionadores de mudanças “sem precedentes” na biodiversidade e em ecossistemas ao longo dos últimos 50 anos. São eles: mudanças no uso da terra e do mar; exploração direta de organismos; mudança climática, poluição e propagação de espécies invasoras.
Ou seja, enquanto crescem a população e a economia, a humanidade está promovendo um ecocídio em larga escala que pode colocar em xeque a própria existência humana. A economia tradicional tende a ver a natureza apenas como um bem econômico a serviço do bem-estar da humanidade e como uma mercadoria que faz circular a economia pagando salários, lucros e juros. A tão decantada racionalidade do Homo economicus virou um problema de insensibilidade natural e uma prática especistas, com sérios danos à biodiversidade.
Para entender a crise da biodiversidade vale a pena ver a Aula 2, do curso AM088, do IFGW da Unicamp, do professor Mathias Pires, ocorrida no primeiro semestre de 2021. No mesmo curso tive a oportunidade de dar a aula “Decrescimento demoeconômico e capacidade de carga do Planeta” (Alves, 11/04/2021). Ambas estão disponíveis nos links abaixo.
O artigo de Timothy e colegas “Quantifying the human cost of global warming”, publicado na revista Nature Sustainability (22/05/2023), avaliou o impacto climático sobre os seres humanos se o mundo continuar na trajetória projetada e aquecer 2,7 graus Celsius até o final do século, em comparação com as temperaturas pré-industriais. Se o ritmo atual do aquecimento global não for controlado, isso empurrará bilhões de pessoas para fora do “nicho climático” (as temperaturas em que os humanos podem florescer) e os exporá a condições perigosamente quentes. Considerando o aquecimento global esperado e o crescimento populacional, o estudo indicou que até 2030 cerca de dois bilhões de pessoas estarão fora do nicho climático, enfrentando temperaturas médias de 29º Celsius ou mais, com um aumento para cerca de 3,7 bilhões vivendo fora do nicho até 2090.
Portanto, existe uma necessidade de aprofundar as metas de mitigação do Acordo de Paris e acelerar a diminuição do uso de combustíveis fósseis. A época da grande aceleração do crescimento demoeconômico já ficou para trás e o desafio atual é evitar o aprofundamento da crise climática e a grande extinção da biodiversidade, que representa uma ameaça existencial à continuidade da civilização humana. A expansão antrópica está se transformando em extinção da vida na Terra. O atual quinquênio é decisivo, pois nos próximos 5 anos o mundo vai estourar o “orçamento de carbono” e as consequências serão graves para todas as formas de vida da Terra.
A guerra contra a natureza é uma guerra contra os próprios guerreiros. Quase metade da população mundial estará em situação de alto risco até o final do século XXI. Portanto, as gerações jovens de hoje vão pagar um alto preço no futuro devido à inação e à incapacidade coletiva de mudar o padrão de produção e consumo e interromper o continuado crescimento demoeconômico desregrado.
Se os seres humanos destruírem a ECOlogia, destruirão também a ECOnomia. É impossível para a civilização humana continuar prosperando com a natureza definhando. O aumento da emissões de gases de efeito estufa leva ao aquecimento global que torna amplas áreas da Terra inóspitas e inabitáveis.
A crise climática e a destruição da biodiversidade são os dois principais vetores que representam uma ameaça existencial ao futuro da humanidade. Os recordes de temperatura de junho, julho e agosto de 2023 são apenas um aviso para cenários muito piores que virão no futuro se não houve um processo de decrescimento demoeconômico e de redução da Pegada Ecológica ao longo do século XXI.
Entropia e decrescimento demoeconômico
O Antropoceno só existe em decorrência do crescimento desregrado e exagerado das atividades antrópicas. Existe uma verdade simples e inquestionável que reconhece ser impossível haver crescimento ilimitado em um Planeta finito. Indubitavelmente, existem limites biofísicos ao crescimento econômico como escreveu, em 1971, Nicholas Georgescu-Roegen no livro The Entropy Law andthe Economic Process, onde mostra, com base na Primeira Lei da Termodinâmica, que o metabolismo do processo produtivo é entrópico e não cria nem consome matéria e energia, apenas transforma recursos de baixa entropia em calor e resíduos de alta entropia (GEORGESCU-ROEGEN, 1971).
Outro alerta veio há 50 anos, em 1972, quando uma equipe de cientistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT), publicou o livro “Limites do crescimento, um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o Dilema da Humanidade”. Os autores identificaram cinco vetores que poderiam provocar um colapso social e ambiental: o ritmo acelerado de industrialização, o rápido crescimento demográfico, a desnutrição generalizada, o esgotamento dos recursos naturais não-renováveis e a deterioração ambiental. Estas tendências se inter-relacionam de muitos modos e o livro indica as consequências que poderiam acontecer num horizonte de cem anos. Os autores do livro “Limites do crescimento” (MEADOWS et al, 1978) sintetizam suas conclusões em um único parágrafo:
“Se as atuais tendências de crescimento da população mundial, industrialização, poluição, produção de alimentos e diminuição de recursos naturais continuarem imutáveis, os limites de crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável, tanto da população quanto da capacidade industrial” (p. 20).
Entretanto, o alerta sobre os limites do crescimento foram ignorados ou negados. Existem, inclusive, pessoas que negam a própria existência da crise climática e ambiental e são chamados de “céticos climáticos”. No dia a dia, o tabu religioso e as posturas ideológicas pronatalistas impossibilitam uma análise demográfica mais completa e dificultam o enfrentamento dos grandes problemas ambientais do mundo.
O modo de produção capitalista não consegue existir sem promover o crescimento continuado da produção de bens e serviços e o incremento do número de trabalhadores e de consumidores. Este crescimento ilimitado foi e continua sendo essencial para a acumulação de capital e a maximização do lucro.
Para garantir sua ininterrupta reprodução, o capitalismo precisa contar com fontes infindáveis de energia e com o interminável extrativismo dos recursos naturais e dos serviços ecossistêmicos. Mas, este processo de acumulação de riqueza voltado para beneficiar uma pequena camada da sociedade em detrimento da grande maioria da população e às custas do empobrecimento da natureza está gerando uma catástrofe ecológica e climática, pois a economia internacional já ultrapassou os limites da resiliência do Planeta.
Portanto, para evitar um colapso ambiental decorrente do superconsumo e de uma população global em constante crescimento, a solução holística vai além da estabilização populacional e passa pelo decrescimento demoeconômico. Neste momento em que a humanidade já ultrapassou a capacidade de carga da Terra, somente o planejamento democrático e voluntário da redução do consumo global e da população global pode evitar um “Apocalipse climático”, um “Armageddon ecológico” e um “Holocausto biológico”, possibilitando se chegar a uma situação de harmonia entre o bem-estar humano e o bem-estar ambiental.
conservação da biodiversidade