O que vem a sua mente quando falamos sobre um ambiente aquoso bem conservado? Acredito que você imagine uma água cristalina, sendo possível de observar vários peixes, talvez uma tartaruga em caso de mares ou costão rochoso, acertei? Mas alguma vez já passou pela sua cabeça que um gambá poderia ser um indicativo de águas bem preservadas? Aposto que não!
Os gambás fazem parte de um grupo de mamíferos que inclui os cangurus e os coalas, e uma parte deles possui a bolsa marsupial para o desenvolvimento dos seus filhotes. Os gambás menores e menos conhecidos também podem ser chamados de cuícas, e todos pertencem à mesma família. No entanto, dentro de todo o grupo dos marsupiais, possuímos apenas uma única espécie que é muito especializada e adaptada ao ambiente aquático, a cuíca d’água.
A cuíca d’água (Chironectes minimus) é totalmente adaptada para a vida semi-aquática: possui um pelo denso, impermeável e que ajuda na flutuabilidade, grandes membranas interdigitais nas patas traseiras e uma cauda levemente achatada para auxiliar na natação, dedos compridos com função tátil para identificar movimentos sutis de suas presas embaixo da água, além de uma bolsa bem desenvolvida tanto no macho quanto nas fêmeas. Esta última protege não apenas os filhotes de um afogamento como também protege o saco escrotal dos machos do frio da água, para não influenciar na espermatogênese (Marshall, 1978) (Fig. 1). É de fato um animal incrível e que infelizmente poucos conhecem, o que dificulta ainda mais a sua conservação.
Figura 1: Foto: Luiz Claudio Marigo/ naturepl.com
Por se tratar de uma espécie de ocorrência restrita a ambientes aquáticos e de hábitos noturnos, a cuíca d’água se torna uma espécie muito difícil de se observar, sendo difícil de avistar e mais ainda de coletar um espécime para estudo. Essa espécie não é coletada por armadilhas convencionais e foi necessário desenvolver armadilhas específicas e eficientes para pequenos mamíferos semi-aquáticos para que ela fosse capturada (Bressiani & Graipel 2008). Desta forma, por muitos anos (e ainda hoje) a cuíca d’água, apesar de ser um dos marsupiais mais intrigantes e únicos, é considerada pouco estudada e uma espécie de registros raros, além de poucos indivíduos para estudo em coleções mastozoológicas.
Felizmente, nas últimas décadas, um grande esforço vem sendo feito para um melhor entendimento da espécie, sua ecologia, distribuição e conservação, através de estudos de monitoramento de longa duração (Fig. 2). Dessa forma, apesar de ser tida como uma espécie rara, estudos em diferentes áreas da América do Sul a consideram uma espécie comum, e onde ela ocorre costuma ser abundante, ao menos de forma local. Porém, sua presença tem sido associada com rios e lagos bem preservados, o que a torna uma boa indicadora da conservação desses ambientes (Fernandez et al. 2015). O ponto positivo desta associação é que ao considerarmos a espécie como “comum” e com “ampla distribuição”, é uma evidência e que ainda possuímos uma quantidade razoável de trechos de rios bem conservados.
conservação da biodiversidade