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Mera opinião
Autores do Blog Ciência em Ação

Por: Rogério Parentoni
Postado dia 13/05/2020

Pesquisador visitante, bolsista sênior pelo CNPq, Departamento de Biologia, Universidade Federal do Ceará









Mais importante do que o conhecimento é a imaginação: o primeiro é finito; a imaginação infinita” (Albert Einstein)

Teoria é uma verdade que ainda não foi provada” (João Luiz, um garoto de 7 anos ao ser indagado sobre o que seria teoria)

Há uma diferença significativa entre opinião e teoria, embora ambas sejam baseadas em conhecimento. A primeira, alicerçada em um conhecimento subjetivo, pouco estruturado, derivado de uma visão de mundo individualizada, porém contendo universais culturais comuns aos indivíduos que compartilham a mesma cultura. Por exemplo, um desses universais culturais no mundo cristão é a crença em Deus. Não há nada mais subjetivo, porém cultural nessa crença, que no mundo cristão é uma referência para certos padrões de condutas, até mesmo por indivíduos que continuam se admitindo crentes, mas às vezes encontram justificativas espúrias para burlá-las. Muitas vezes essas justificativas se baseiam no “se ele faz, porque não posso fazer? ” “Se ele mente, porque não posso mentir? Esse tipo de conhecimento e atitudes é inalcançável em seus propósitos pela ciência, a não ser por alguns pesquisadores de humanidades, que procuram identificar e interpretar o papel dos universais existentes em sua cultura alvo de estudo e as causas dos eventuais desvios de conduta vigentes nessa cultura.

Teoria científica é um tipo de conhecimento estruturado, cujas estruturas conceituais e metodológicas estão sempre em avaliação pelos pares. Nesse sentido, o conhecimento proporcionado pela teoria deve ser um conhecimento “aberto” a críticas, com a descrição clara de cada uma das etapas metodológicas e dos métodos empregados para ser obter as evidências sobre o fenômeno de interesse do cientista. Além disso, uma descrição clara dos resultados e o contraste de seus resultados com os demais resultados comparáveis. Finalmente, a originalidade se revela na conclusão: o que de importante para a ampliação do conhecimento obteve-se com o resultado da minha pesquisa.

Pela descrição acima, poderíamos admitir que o conhecimento científico é objetivo e resulta de procedimentos honestos. Porém, nem sempre o é, caso contrário não existiram fraudes na ciência.

Todo cientista tem sua parcela de subjetividade, o que é inevitável dada a sua visão particular de mundo. Porém, essa subjetividade usualmente se revela mais na escolha do objeto de estudo, em sua capacidade de abstração e de enxergar lacunas no conhecimento que outros colegas não perceberam, mas que podem ser relevantes para ampliar o horizonte do que é conhecido. A maior parte dos cientistas não são gênios, uma característica que poucos têm o privilégio de revelar. Todavia, isso não significa que grande parte dos cientistas não sejam criativos. Por exemplo o simples fato de formular uma hipótese engenhosa e bem estruturada é uma demonstração de criatividade de cientistas de várias áreas do conhecimento. Conseguir enxergar em um conjunto de dados peculiaridades importantes que outros colegas, mesmo os que os obtiveram, não perceberam, é outra manifestação de criatividade ou no mínimo de sagacidade. Os gênios, ao contrário dos cientistas criativos, também são obviamente criativos, mas em uma magnitude tal que resulta em um conhecimento totalmente inédito e que implica em mudanças profundas na nossa forma de enxergar e entender os fenômenos naturais.

Aqui exponho minhas opiniões de uma forma tal que permitam, e eu desejo assim, sejam criticadas com opiniões complementares ou diversas que tenham em comum o interesse pelo conhecimento científico. Desnecessário nesse momento defender as qualidades do conhecimento científico, embora muitas vezes seja necessário fazê-lo, devido aos ataques fundamentalistas de várias naturezas e interesses que são desferidos contra a ciência. A área da biologia e medicina, por exemplo, são alvos preferencias de manifestações subjetivas agregadas a uma ignorância coletiva do desconhecimento sobre o que seja a atividade científica, bem como suas possibilidades e restrições. Nesse caso, cabe também aos cientistas defenderem e argumentarem oportunamente, sem arrogância, visando quem sabe diminuir a incidência de atitudes anticientíficas, tais como acreditar em discos voadores, terraplanismo, que o homem vem do macaco ou que é produto de uma criação especial, a propósito, que não o faz nada especial. Outros vários exemplos, tal como o descrédito na eficiência protetora das vacinas contra certas doenças transmissíveis.

Por outro lado, há um tipo de conhecimento popular que considero válido, posto que é baseado em comprovações empíricas recorrentes. Quanto a esse tipo de conhecimento há que se reconhecer que alguns cientistas adotam uma posição arrogante e, infelizmente, tendem a desqualificá-lo. Esse tipo de atitude provoca um distanciamento enorme entre o cientista ocupado, com seus estudos e experimentos científicos, e o conhecimento popular que pode servir como base para formulação de hipóteses científicas e experimentos. Um exemplo são as pesquisas de plantas com características medicinais curativas de certas afecções, cujo efeito é de longo tempo conhecido popularmente e utilizado por parte de uma população que não tem acesso a medicamentos laboratoriais. Há quem diga que há malefícios que podem ocorrer provenientes da ingestão desses tipos de fármacos naturais. Concordo com as opiniões baseadas em conhecimento científico, mas discordo das opiniões meramente sem lastro de conhecimento.

Ainda dentro da auto-permissão de opinar sobre a natureza dos conhecimentos, considero filósofo, independentemente da formação acadêmica, que tem seu reconhecimento específico no âmbito das universidades, todo aquele que indaga algo a respeito de si e do mundo. De modo semelhante, cientista para mim, sensu lato, é todo aquele que pergunta algo sobre um fenômeno qualquer e expressa dúvidas sobre o que significa: Será? Não excluo dessas categorias inclusive o homem comum, ao qual em geral não são atribuídas qualidades intelectuais. Os que se consideram cientistas profissionais, em universidades e institutos de pesquisa, têm o que apreender como esse homem comum que traz consigo a sabedoria da vivência, a experiência empírica. Lembro-me que Manuelzão, do alto de seus 90 anos bem curados, foi questionado por um repórter se ele achava que foi Deus quem criou o mundo. Manuelzão respondeu de forma cristalina: “se ele criou o mundo ou não, num sei, quando nasci o mundo já tava aí”. Há sabedoria aí...

Não me parece inteligente, quando houver oportunidade, ignorar o discurso do homem comum, julgando-o fora dos cânones da ciência, do verdadeiro conhecimento. Até mesmo, porque há dúvidas do significado do que é ‘verdadeiro’. Essa atitude de ignorar o discurso do homem comum, muitas vezes expressa de forma arrogante, parte de certos profissionais que se dizem cientistas, mas que, talvez, sejam incapazes de responder adequadamente sobre a natureza e importância do conhecimento que eles dizem produzir.