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Carta aos naturalistas desalentados
Por: Estevão F. Santos                                            Postado dia 13/05/2021Naturalista









Chegará o dia em que o célebre cientista, proclamará plangentemente, do alto de seu pódio, “procura-se naturalistas!”, em tom desalentado. E a ele faltarão correspondências, soluções; qualquer sinal de esperança esvanecer-se-á, com a mesma efemeridade em que se compôs. Uma peça-chave para este processo já fora, há muito, apagada deste cenário, bem como aquela sua índole obstinada, seu almejo e sua paixão – faltarão naturalistas.

O naturalista é aquele afeiçoado pela profusão do mundo natural, mas é, antes de tudo, um escapista, poeta, observador contumaz e um esmerado descritor daquilo que vê - das coisas como são. Diria, particularmente, que os detentores do conhecimento naturalista nada mais demonstram do que alguma polivalência em seu modo de buscar a compreensão dos sistemas naturais: seu objeto de atenção não se faz apenas um; é, outrossim, heterogêneo, diverso, vibrante. Seu fascínio perfaz os “especifismos” da ciência erudita, ele é um encantado pela integração primordial em que todos os elementos da natureza se acham unidos: uma longeva constituição, tão primitiva quanto o tempo por si próprio.
Exemplo de imagem
Uma semente que se precipita inopinadamente ao solo, por obra de um passarinho que a regurgitou, e a árvore que, futuramente, ali medrará ou não. Ela pode perecer antes, por que não? Cupins podem-na roer. A intempestividade do vento pode derrubá-la. Mas a beleza, de um ponto de vista quase metafísico, aí se materializa: existe uma pompa, um lirismo nesta vicissitude natural que, ante às nossas limitações como humanos, demonstra não caber em palavras. Apenas a quem é dado de experienciá-la é que se encontra alguma compreensão.

Não apenas à semente, nem tão somente à árvore, aos pássaros e seus predadores direciona-se o pormenorizado estudo do naturalista. Sua missão é assimilá-los como um complexo interligado, de mútua dependência. O brotar da semente e o morrer da árvore são, como simples eventos, constituintes de uma verdadeira harmonia primacial.
Outrossim, o naturalista se mostra um escapista por excelência pois, insulado na caótica fugacidade urbana, não afloram-lhe lampejos criativos. Apenas quando enfurnado nalgum rincão, à busca entusiasta por descobertas, é que se descobre o naturalista. Ele não trabalha no gabinete; carece de estar envolto nos cipoais, coberto em folhedo, metido numa viçosa floresta. Ali é que averigua suas mais ambiciosas hipóteses, que nunca faltam. Apenas nestes agrestes ermos é que torna a ver seus infalíveis companheiros selvagens.

Mais valem para o naturalista verdejantes florestas, altaneiras árvores e besouros peregrinos, cigarras estrepitosas e cintilantes borboletas do que grandes prédios, luzes artificiais e o desagradável ruído de automóveis. Desde o princípio já se apresenta como ermitão, impulsivamente buscando os retiros naturais; um fugitivo da liquidez destes tempos. Servem-lhe mais o sol do que o dia, mais a lua que a noite; intrigam-no mais as paisagens do que as fronteiras, servem-lhe mais os sons do que as onomatopeias.
O tempo, ora, o tempo trouxe novos horizontes, e caiu em desuso quase absoluto o encargo do naturalista. Certa vez, ouvi desgostosamente que naturalistas se tornaram apenas memórias, perdidas de obscuramente no vasto pretérito da ciência e da natureza, e tal conhecimento, se comparado às admiráveis conquistas tecnológicas da contemporaneidade humana – esse maquinário formidável, aparelhos inteligentes – é ultrapassado. Condição axiomática: como pode um modesto conhecimento primordial se igualar às maravilhas da hodiernidade digital?
Indago-me, talvez seja mesmo o naturalista apenas um saudosista, um velho apaixonado pelos sertões, um vagante que ainda se apresenta aqui, nesta constituição telúrica, com a única aspiração de satisfazer seu infindável instinto de conhecer, um pouco mais, os selvagens retiros da natureza e seus enigmas, também intermináveis.

Assim, manifesto-me aqui despido de expectativas, mas incumbido de me exprimir antes que seja tarde demais (será que já não é?). Os naturalistas devem manter-se erguidos pelos porvires da existência, que suscitarão frustrações cada vez mais constantes, por sua efemeridade, mas que devem ser embelezados por seu anseio de descoberta. Ainda que perturbados pela opressiva falta de correspondência, pela solidão e a insatisfação de suas expectativas, devem ser supridos pelas novas descobertas naturais, que asseguro, acalentam essa nossa ânsia de procurar novas razões para amar a natureza.

Procuram-se naturalistas, que mesmo solitários em sua travessia por este planeta, deixarão para sempre registrados os encantos naturais. Uma de suas aptidões é se contentar com os mais ‘simples’ eventos da natureza – verdadeiras “desimportâncias” – que para a ótica mais afeiçoada representam, contudo, o maior estágio de complexidade de um organismo biológico. Naturalistas, dos trópicos e de todo o mundo, uni-vos, antes que o antagônico caminhar do tempo os torne apenas novas memórias!