“Quem me compra um jardim com flores?
Borboletas de muitas cores?
Lavadeiras e passarinhos?
Ovos verdes e azuis nos ninhos?
Quem me compra este caracol?
Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera?
Uma estátua de primavera?
Quem me compra este formigueiro?
E este sapo que é jardineiro?
E a cigarra e a sua canção?
E o grilinho dentro
Este é o meu leilão....
- Cecília Meireles, "Leilão de Jardim"
Durante a pandemia, com a diminuição do trânsito de pessoas e veículos nas cidades, vimos imagens e assistimos vídeos de animais tomando conta dos espaços urbanos em diferentes países. Gansos passeando livremente nas ruas, bandos de tucanos pousados em arvores, dentre outros. O ruído causado pelo tráfego foi substituído por manhãs mais “barulhentas” devido ao canto de aves: basta chegarmos à janela ou ao jardim, mesmo para audições menos habituadas ou treinadas para escutar e distinguir diferentes cantos de aves. O biólogo Marcelo Vasconcelos, por exemplo, vem fotografando aves raramente vistas na cidade de Belo Horizonte, tais como saíras, pássaros frugívoros multicoloridos.
De fato, há uma maior “ocupação” de espécies no espaço urbano e o efeito ecológico que isso pode acarretar ainda é desconhecido. Serão necessárias avaliações futuras para determinar se a retomada das cidades pelos humanos causará mais conflitos ou se as áreas urbanas voltarão ao seu “normal”.
Mas de onde esses pássaros vieram? Eles sempre estiveram aí e nunca nos demos conta ou realmente resolveram “se mudar” para as grandes cidades? Essa pergunta nos faz pensar inclusive que em algum lugar, não muito distante das cidades, estes animais estão morando, se alimentando e se reproduzindo. Estudos em regiões urbanas costumam apontar uma maior biodiversidade nas áreas marginais aos centros, chamadas de zonas periurbanas , e isso se explica por uma maior concentração de áreas verdes e menor grau de urbanização. Estas então seriam possíveis “fontes” para algumas espécies que agora conseguimos encontrar nas áreas mais centrais das cidades. Em alguns casos, algumas espécies deslocam destas margens da cidade para o interior dela e podem ser encontradas em áreas verdes menores como parques, praças ou menos em vias mais arborizadas. Isso é possível devido a presença de habitats favoráveis para a fauna no ambiente urbano, que funcionariam como pontes que conectam as áreas verdes menores, deixando a cidade mais “permeável” para as espécies. Sendo assim, estes fragmentos de habitats naturais (e até mesmo os planejados com espécies exóticas) no ambiente urbano são importantes para a manutenção de parte da biodiversidade.
Por outro lado, o processo de urbanização das grandes cidades acarreta em maior verticalização com consequente substituição das casas que abrigavam quintais com espécies nativas e árvores frutíferas, que são trocados por prédios gigantes. A construção desses prédios acarreta a diminuição de áreas verdes atrativas para a fauna, como abelhas e aves, ou mesmo a retirada de árvores antigas usadas na arborização urbana, como o que estamos assistindo em Belo Horizonte com o Programa de supressão em Belo Horizonte, também contribui para a diminuição da presença de abelhas e aves.
conservação da biodiversidade