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Autores do Blog Ciência em Ação

Por: Bernardo de Faria Leopoldo
Postado dia 11/03/2022

Biólogo (Licenciatura e Bacharelado) em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Com experiência em trabalhos e pesquisas com mamíferos, cursa atualmente o mestrado no Programa de Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre (ECMVS-ICB-UFMG), onde desenvolve seu projeto na área de Valoração Ambiental. Tem como objetivo profissional realizar, de forma ética e responsável, trabalhos e atividades que promovam mudanças positivas e sustentáveis na sociedade e contribua com a conservação da biodiversidade.















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Qual o valor da Amazônia? Quanto vale uma onça-pintada? Quanto vale um parque nacional? Neste texto, vamos apresentar uma ferramenta relativamente jovem que os economistas, com a ajuda de biólogos e profissionais da área ambiental, vêm utilizando, na tentativa de fornecer respostas para essas perguntas e promover a conservação da biodiversidade: a Valoração Ambiental.

O primeiro passo para entender o que é Valoração Ambiental é compreender o conceito de valor, essa ideia central para a economia e, como veremos a seguir, para as ciências da conservação. De forma resumida, pode-se dizer que valor é uma medida da utilidade de algo para o ser humano (vamos aqui nos restringir ao universo humano, apesar de ser possível aplicar esta definição a outras espécies). Do ponto de vista econômico, valor também pode ser definido como a “disposição a pagar” por algo (um bem ou serviço). Esta última definição, de fácil compreensão até mesmo para nós biólogos, nos leva ao nosso próximo passo: como se expressa um valor? Que unidade(s) podemos utilizar para expressar valores?

O valor de um bem ou serviço para o ser humano pode ser expresso em diferentes unidades como, por exemplo: tempo, trabalho, energia, satisfação. Na escolha de qual usar, devemos pensar em dois importantes aspectos: qual unidade comunica melhor a ideia que se quer transmitir, ou seja, a utilidade ou benefício de um bem ou serviço para determinada população ou sociedade; e qual é mais facilmente compreendida pelo público ao qual se deseja transmitir essa informação. Existe uma unidade que se encaixa nessas duas categorias em grande parte das situações, conhecida pelos que a adoram e/ou a detestam como “dinheiro”. A unidade monetária tem a grande vantagem de ser conhecida e compreendida pela maioria das pessoas, que a utiliza em suas transações comerciais diárias para obter os bens e serviços que as sustentam e garantem seu bem-estar. Cabe aqui uma importante consideração: o "preço" de algo não é o mesmo que seu valor! O preço é uma medida ou estimativa de "valor", ou seja, é parte deste último e assim deve ser entendido.

Aqui nos deparamos com um novo problema: apenas parte dos bens e serviços ambientais possuem preços (estimativas de valor), pois são comercializados em mercados. Existem preços para o que chamamos de bens de provisão, como: água, alimentos (ex. peixes, frutas, vegetais, etc.), minérios, petróleo, carvão. Também existem preços para alguns serviços providos pelo meio ambiente e que, assim como os bens de provisão descritos acima, também são conhecidos como Serviços Ecossistêmicos. É o caso da recreação em parques e áreas protegidas onde há cobrança de tarifas para visitação e uso para atividades associadas ao bem-estar humano. No entanto, grande parte dos serviços ecossistêmicos providos pela natureza não possui mercado estabelecido, ou seja, não é comercializada. Alguns exemplos são: polinização, regulação climática, proteção contra distúrbios (ex. erosões, enchentes e tempestades), recursos genéticos encontrados em plantas e utilizados na produção de medicamentos, controle biológico de pragas, ciclagem de nutrientes, beleza cênica e serviços culturais (ex. ecoturismo, valores históricos, religiosos e espirituais). Nesses casos, devemos valorá-los ou não?

Por um lado, argumenta-se que atribuir um valor monetário a bens e serviços naturais seria inapropriado, já que devemos preservar a natureza pelo que ela representa em si, ou seja, por seu valor intrínseco, sem precisar associar preços à mesma, o que poderia facilitar sua perda ou destruição. Por outro, muitos autores acreditam que a não atribuição de valor monetário é justamente uma das razões que levam ao uso excessivo dos recursos naturais, facilitando ainda mais essa perda. Além disso, a própria argumentação em prol do valor intrínseco da natureza já contém implícita uma valoração, ao estabelecer que a natureza é mais valiosa do que as demais alternativas, fato que dificulta tomadas de decisões envolvendo a mesma. Nesse sentido, vale lembrar que a transformação de áreas naturais em áreas antropizadas, seja para a exploração de recursos naturais, para a agricultura, pecuária, para a expansão de áreas urbanas ou quaisquer outros fins que envolvem a perda e destruição dos ambientes ali inseridos, constitui um processo de escolha que afeta o bem-estar e desenvolvimento humano e social. Como todo processo de escolha, essas transformações envolvem uma valoração intrínseca, já que sempre que escolhemos algo estamos fazendo uma espécie de valoração. Dessa forma, atribuir valores monetários à natureza e aos Serviços Ecossistêmicos seria uma forma de tornar tais escolhas menos subjetivas, promovendo o uso mais racional e sustentável dos recursos naturais.

Neste cenário, a Valoração Ambiental representa uma ferramenta de enorme utilidade, que pode nos fornecer os valores econômicos ocultos dos serviços ecossistêmicos para os quais não existem mercados estabelecidos. Com esses valores em mãos, economistas, biólogos e demais profissionais da área ambiental possuem informações valiosas que podem ser usadas para mostrar o valor da biodiversidade e de áreas naturais aos tomadores de decisão e às comunidades envolvidas em processos de transformação da paisagem e implantação de empreendimentos que resultem na perda de áreas naturais. Essas áreas, muitas vezes subvalorizadas nesses processos, estarão mais bem representadas (e valorizadas) nas mesas de negócios. O custo da perda das mesmas, bem como dos benefícios gerados pelos Serviços Ecossistêmicos ali gerados, estará mais claro, possibilitando uma tomada de decisão mais consciente e, consequentemente, um uso mais sustentável dos recursos naturais, cada vez mais escassos em nosso planeta.

Existem diversos métodos de Valoração Ambiental, os quais procuram estimar os diferentes tipos de valores dos Serviços Ecossistêmicos: Valor de Uso Direto (ex. consumo para alimentação, energia e moradia; recreação, uso cultural e em pesquisas); Valor de Uso Indireto (ex. polinização, regulação climática, purificação da água); Valor de Opção (preservar para um possível futuro uso); e mesmo o Valor de Não Uso (valor de existência, legado ou altruístico). O desenvolvimento desses diferentes métodos foi permitindo, cada vez mais, a estimativa de valores para os bens e serviços ambientais que se aproximassem do que os economistas chamam de seu Valor Econômico Total (VET). Nosso objetivo aqui não é descrevê-los. Mas caso se interesse pelo tema, recomendo que procure conhecê-los, ou ao menos se familiarize com os termos, pois estarão cada vez mais presentes na literatura das ciências da conservação.

Por falar na literatura, cito aqui apenas três trabalhos que contribuíram para responder às perguntas do início deste artigo. No primeiro, um grupo de pesquisadores brasileiros e estrangeiros se uniram para estimar os valores econômicos associados aos Serviços Ecossistêmicos providos pela floresta Amazônica, chegando a um valor que varia de U$56 a U$737 por hectare por ano. No segundo, pesquisadores estimaram em U$6.827.392 o valor anual que representa o turismo para observação de onças-pintadas em uma região do Pantanal. No último, os cientistas encontraram uma disposição a pagar anual de R$716.000 por parte dos visitantes do Parque Nacional da Serra do Cipó, uma importante Unidade de Conservação do estado de Minas Gerais que abriga um dos biomas mais ameaçados do planeta (“Hostpots”): o Cerrado.

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CSF (Conservation Strategy Fund). Valoração dos Serviços Ecossistêmicos.

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Por fim, faço um chamado para que biólogos e profissionais das áreas ambientais superem as barreiras que os impedem de adentrar o “desconhecido”, “temido”, mas tão belo e promissor terreno da economia, ou ao menos o da Economia Ecológica, ramo relativamente recente e crescente, que incluiu definitivamente as questões ambientais nas discussões econômicas. Caso queiramos realmente triunfar em nossa missão de preservar e proteger a biodiversidade em nosso planeta e garantir que as gerações futuras possam usufruir de toda a riqueza natural que ainda temos, a economia precisa caminhar de mãos juntas com a biologia e com as ciências da conservação. Finalizo aqui com uma mensagem aos biólogos, que pode ser estendida a todos os profissionais e estudantes das áreas ambientais. Não basta estudarmos e compreendermos a natureza e seu valor para o ser humano. É preciso traduzir esse conhecimento e valor para toda a sociedade. Considerando a urgência de nossa responsabilidade para com o meio ambiente, devemos utilizar de todas as linguagens possíveis para cumpri-la. E no campo da economia, a linguagem do dinheiro talvez não deva ser negligenciada nem vista como inimiga, mas sim como aliada.

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